Advogando para o diabo
Pintura:John William Waterhouse
É possível observar uma preocupação explícita em torno da imagem que a indústria da mineração quer passar para a sociedade, não somente porque a natureza da sua atividade é historicamente percebida de forma negativa, mas principalmente, pelo agravamento dessa realidade diante da repercussão que as tragédias recentes vêm causando em sua reputação. Diante de tal cenário, a mobilização para encontrar uma fórmula que atenda a demanda urgente para a construção de uma imagem positiva, tem sido a prioridade na pauta de entidades que representam o setor.
Iniciativas que fomentam a criação de cultura de inovação em ambientes “disruptivos”, patrocinados por entidade e grandes empresas do setor tem um grande potencial para ser utilizado como ferramenta de marketing. O modelo que propõe desafios em busca de novas soluções para problemas comuns à mineração, mas controlado e gerenciado em todas as etapas por quem os patrocina, seria eficiente para promover um ambiente de inovação? A lógica de que o paciente determina o que o médico deve ou não prescrever para o seu tratamento, pode ser um indício de que ele não quer se “curar”.
A ruptura de paradigmas nos processos de produção parece ser muito doloroso e a mineração insiste em recusar o tratamento adequado para as causas de seus antigos problemas atuais. A mineração do futuro não precisa ser um engodo. O desafio que temos à nossa frente é de fazer a mineração do presente, plantando as boas sementes agora.
A comunicação definitivamente não é sua vocação natural e, ainda que acessória, as relações públicas parecem ter se tornado a atividade principal da “mineração do futuro”. A fabricação de discursos desconectados da realidade antecipa o quadro do futuro que teremos pela frente. A mineração das metas financeiras e acordos jurídicos está se especializando cada vez mais em se distanciar da sociedade em que atua, com sua fábrica de tijolos vazios e desprezo pelos recursos que explora. A sociedade pode ter a opinião que quiser, contanto que seja a favor da mineração. Não é possível construir uma reputação baseado naquilo que ainda está por fazer. Estamos diante de uma mineração que faz de tudo, menos minerar.
O discurso unilateral com “soluções” prontas é o recado inequívoco de que o diálogo com a sociedade é uma fantasia fabricada para convencer alguém, que não sabemos quem. Stakeholders é o nome que se dá a quem se pretende manter distante, cuja fórmula produz o esvaziamento do outro. A quem interessa esse pacote de comunicação?
Enquanto o esforço estiver voltado para convencer a sociedade de que mesmo causando grandes desastres sociais e ambientais, a mineração é indispensável para o desenvolvimento econômico do país, a sensação que fica é a de que estamos condenados a sofrer as consequências dos meios como justificativa para os fins.
Assim, a mineração deixa evidente o quanto está empenhada em descobrir uma forma eficaz de se comunicar com a sociedade, numa clara expressão de admiração por sua própria imagem refletida em águas nada cristalinas. Uma indústria cujo vislumbre desmedido de si mesmo tem levado caos e morte para a sociedade, está precisando mesmo é de um tratamento de choque de realidade.
Quando a maior mineradora do país se coloca diante da sociedade como a “joia brasileira”, após os dois maiores desastres da história, estamos diante da real imagem do setor. Me faz lembrar Narciso, quem admira nada além do que a imagem de si mesmo refletida no espelho d´água. Na mitologia, dizem ainda que Narciso ao atravessar o rio da morte, debruçou mais uma vez para admirar a sua imagem…
Evandro Evangelista